as férias escolares do meio do ano me deixavam com um gosto agridoce na boca. digo isso numa tentativa desastrada de colocar em palavras, o que foram aqueles anos estudantis.
ao passo que havia um alívio provocado pela ideia do recesso, havia o peso da responsabilidade; o ano letivo ainda não havia acabado - um semestre inteiro pela frente, as provas finais e todo o resto. isso explica o sabor dúbio. mas, e o coração apertado naquele julho de 2005?
ouvi que o cérebro não consegue distinguir o que é real do que é lembrança. os neurocientistas me perdoem a falta de habilidade em explicar o conceito, mas sinto que é verdade já que, ao lembrar, meu coração aperta exatamente como há 16 anos, ao vivenciar.
posso ver claramente a cena: a grade do portão, a agitação típica de porta de escola, mas não beira o caos, não estamos no portão dos alunos, estamos na entrada dos docentes, fato este que me faz sentir superior aos meus colegas, —não fosse a nostalgia e o tempo que me separa do ocorrido, ficaria envergonhada com minha arrogância juvenil — a seguir, a grade do portão deixa de ser cenário para se tornar personagem desta história. ela é tão vívida em minha memória quanto eu e ele. a grade estabelece os limites da ética. apenas até ali ele poderia me acompanhar, da grade para frente não pegaria bem um professor e uma aluna caminharem juntos: o sabor é amargo.
ele me entrega o príncipe de nicolau maquiavel. não era um livro da biblioteca da escola, tampouco fazia parte do conteúdo programático. vinham dele: o livro e a indicação: o sabor é doce.
provavelmente o que vou dizer é uma edição recente da minha memória, seja como for, sinto que a decisão de cursar história foi tomada no exato instante em que o livro passou das mãos dele para as minhas - algo místico, de energia, sei lá…
hoje, pensando sobre tudo isso que ocorreu há tanto tempo, confesso que me julgo por retratar com certa poesia, um episódio que se fosse narrado na versão estendida, com detalhes, poderia virar um relato de assédio.
o fato é que demorei demais compreender aquela situação dentro de uma ótica realista. muitos anos se passaram até eu me desvencilhar das emoções da adolescente que fui, conseguir olhar de fora, como uma adulta responsável. só hoje entendo que é até de se esperar que uma garota de 16 anos tenha admiração por seu jovem professor articulado e engraçado, mas, que é estranho, — para dizer o mínimo — um adulto se atrair romântica/sexualmente por ser humano que não completou nem 17 anos.
mas, voltemos ao momento que explica o título deste texto.
o livro repousa em minhas mãos, a decisão fora tomada.
infelizmente, não ingressei na faculdade naquela época, de qualquer forma a decisão havia sido tomada e, assim como uma flecha que sai do arco, não recua, antes, avança para atingir o alvo, eu cursaria história, era só uma questão de tempo.
quanto tempo?
bem, demorou mais de uma década para essa flecha atingir o alvo, mas enfim atingiu. concluo este texto hoje, matriculada na faculdade, 16 anos depois de o príncipe ter passado das mãos dele para as minhas, naquela porta de escola.
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