"Consigo aceitar somente até o Impressionismo, Van Gogh, Monet. Mais moderno que isso, não dá. Para mim, não é arte", repetiu categoricamente, pela milésima vez. "Consigo 'aceitar' até o Cubismo, entendo que o objetivo da arte não é exclusivamente ser algo belo", retruquei, pela milésima vez.
Como forma de apoiar meu ponto, contei também, pela milésima vez, aquela história em que, durante a Segunda Guerra, os nazistas chegaram ao ateliê de Picasso, olharam para Guernica, acharam aquilo horroroso (neste ponto da história, você ri, como em todas as outras vezes que contei) e perguntaram, de forma desdenhosa:
"Você fez isso?"
Pablo respondeu sucinta e brilhantemente:
"Vocês."
Nessa hora, o sonoplasta da vida deveria ter colocado um "ti ti ti tum". Ouvi esse relato de um professor de arte que ouviu de alguém... Nunca consegui comprovar a veracidade do diálogo, intuo que não ocorreu. Uma pena.
Mas quem manda nessa newsletter sou eu, e de forma tarantiniana, faço uma reparação histórica. Aqui, no espaço-tempo dessas linhas, essa cena genial foi real.
A resposta de Picasso nos faz refletir em tantas coisas que daria uma tese de mestrado. Ainda assim, tento te convencer usando mais dois argumentos:
Argumento I:
"Antes do advento da fotografia, os pintores buscavam retratar suas obras com extremo realismo, mas depois, eles pensaram: 'poxa, agora vamos ter que tentar representar na tela coisas invisíveis, como sentimentos, sensações'. Aí o jeito de pintar mudou, as pinceladas, essas coisas...", digo eu de forma desajeitada.
Argumento II:
"E não é que você não gosta de Picasso, você não gosta do Cubismo. Picasso tem obras mais 'clássicas' onde exibe muito talento e técnica apurada."
Por fim, completo repetindo um clichê que você odeia:
"Pra desconstruir, tem que ter construído."
Você resmunga alguma coisa, descreditando a minha última frase, numa cena meio "quinta-série", sorrio e me sinto abraçada com aquela conversa.
Com a maioria das pessoas que eu conheço, esse diálogo sequer teria começado. A gente se cala e então, paira sobre nós aquele silêncio confortável, reservado apenas aos que chegam a certo nível de intimidade.
E mais uma vez, me sinto abraçada.
Chega a ser engraçado nós ali, julgando a arte alheia, talvez até de forma pedante. Não sei, mas isso agora pouco importa. Este não é um texto sobre movimentos artísticos, menos ainda um texto para discutirmos o que é e o que não é arte.
Em meio a tantos paradoxos contemporâneos, está o da conexão.
Estamos conectados via internet o tempo todo com o mundo todo e, ainda assim, as conexões mentais e de alma são cada vez mais raras.
Este é um texto sobre conexão de alma, mas não apenas sobre isso. Eu escrevo para tentar preencher com lembranças o buraco que você deixou.
Escrevo para me desculpar por quaisquer aparentes ofensas e ingratidão. Eu escrevo com a esperança de que você leia, um sorriso surja em seu rosto e, nesse momento, você também se sinta abraçado.
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