No dia em que completei 35 anos, olhei no espelho para ver se algo havia mudado. Talvez, com muita atenção, pudesse notar uma ruga recém-inaugurada, um sulco de bigode chinês que até 06 de dezembro não existia. Pensei que algo deveria diferir, agora que completei 35 anos de vida. Talvez tivesse ganhado uma inclinação assimétrica nos ombros ou, com muita sorte, em vez de ruga, sulco e assimetrias, pudesse ter recebido um inédito, maduro e circunspecto brilho no olhar.
No dia em que completei 35 anos, olhei no espelho para ver se algo havia mudado. Nada havia mudado?
Quando deixei de ser quem fui aos 25? Aos 15?
Li em algum lugar que, num ciclo constante de 7 a 10 anos, as células vão envelhecendo e morrendo, sendo substituídas por outras novas. Assim, de tempos em tempos, temos uma nova versão mais velha de nós.
Como não consigo deixar a coisa no campo da biologia, fiquei pensando:
quanto de tudo que passou ainda resta? Quanto de tudo que há sempre esteve?
Qual a importância de uma “linha mestra da essência” que interliga todas a versões que fui e ainda serei?
No dia em que completei 35 anos, estavam consertando algo no prédio em frente ao apê, e o barulho era intenso demais. Aborreci-me com os decibéis acima.
A irritação me pareceu a velha irritação de sempre. Não me tornara mais ranzinza ao completar 35 anos do que era aos 25 ou até mesmo aos 5. Desde que me entendo por gente, sempre fui irritadiça.
Um sentimento de conforto e satisfação toma de mim. Era ela: “a linha mestra essência".
"Sou a mesma de sempre."
Sou o que sou? Sou o que faço? Sou o que faço para mudar quem sou?
No dia em que completei 35 anos, fiz as malas. Talvez fosse hora de partir, deixar para trás não apenas todas as minhas versões, mas também o duro questionamento a respeito delas.
No espaço-tempo, sou eu aqui e agora. Esvazio-me de tudo o que fui e que foi, expurgo as projeções para um futuro também.
O "antes" é como uma ponte importante para levar do ponto A ao ponto B, mas precisa ser deixada para trás se quiser avançar ao ponto C.
Minha racionalização matemática não me convence por mais de um minuto, e então vem à mente o que me disse um amigo historiador:
"no fim, somos historiadores, Gi, o passado está sempre presente".
Percebo que não é só a ranzinzice que me acompanha há muito tempo, mas também as velhas questões.
No dia em que eu fiz 35 anos, nada havia mudado, mas tudo estava diferente.
No dia em que eu fiz 35 anos, tudo havia mudado, mas nada estava diferente.
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